Cá estou eu de volta para falar de relacionamentos. Este assunto anda mesmo me rondando e, depois do post do último dia do ano sobre a questão da "singularidade", recebi alguns emails muito interessantes de leitoras que não queriam expor seus dilemas pessoais nos comentários do blog . Um deles me chamou atenção em especial. Uma mulher, na faixa dos 40, contou uma situação muito curiosa e pede a minha opinião.
Claudia (nome fictício) é separada e tem um namorado há dez meses. Ambos tem um casal de filhos do primeiro casamento e todos se dão muito bem. Antes de engatarem o namoro, Claudia e Paulo (nome fictício) já eram amigos há alguns anos e costumavam se encontrar eventualmente na casa de amigos em comum, festas e aniversários. Certa vez, Paulo comentou com Claudia que faria uma viagem com o casal de filhos e a mãe deles, de quem já está separado há cinco anos. Todos acharam estranho, inclusive Claudia, pois a separação não havia sido das mais amigáveis. Algum tempo depois, Paulo e Claudia começaram a namorar. Após alguns desencontros iniciais, o casal se acertou e o namoro ficou mais sério e cada vez mais intenso. Certo dia, Paulo comentou com Claudia que faria aquela viagem prometida aos filhos, na companhia da mãe deles, no reveilon. E que, por medida de economia, ficariam todos juntos no mesmo quarto.
Claudia ficou em estado de choque. O que faria um homem comprometido viajar com os filhos e a ex-mulher, dormir no mesmo quarto que ela e ainda escolher como data o ano novo. Paulo nunca deu nenhum sinal de que pretendia reconquistar a ex, mas a situação era muito incomum.
No início, Claudia não comentou nada a respeito do assunto, na certeza de que ele desistiria desta empreitada em respeito a ela. Até que um dia, Claudia se deparou com o roteiro da viagem sobre a mesa do escritório dele. Aquilo soou como uma facada. Paulo, então, havia mantido a tal viagem, apesar de ter ouvido diversos comentários negativos e críticas de amigos e familiares, que também achavam aquilo uma grande loucura.
A situação de Claudia era muito delicada, pois Paulo alegava ter prometido esta viagem em família aos filhos. Por outro lado, Claudia se sentia desvalorizada, preterida, sem importância na vida de Paulo, e, durante os meses que antecederam a viagem, passou por situações bem desconfortáveis junto aos amigos do casal e sua família, que faziam comentários de reprovação e a ela só restava ouví-los, impotente e muito sem graça.
Um fato tambem chamou atenção de Claudia. Em momento algum, os filhos de Paulo fizeram qualquer menção sobre a presença da mãe nesta viagem de reveilon. Se Paulo alegava não poder desmarcá-la justamente para não decepcionar os filhos, não fazia sentido que os alertasse para não tocar no assunto na frente de sua namorada. Mas, caso ele tenha alertado, então, possivelmente, entendia que não estava sendo legal com Claudia.
A esta altura, você deve estar pensando no quanto e importante cumprir a palavra dada a um filho e, no caso de Paulo, a viagem havia sido planejada antes do início de seu namoro com Claudia. Mas quando isso envolve o sentimento, ou melhor, ressentimento de pessoas queridas sera que nao justificaria uma conversa franca com os filhos ? Dizem os psicologos que a frustracao e algo com a qual todos precisamos aprender a lidar, principalmente, se ela envolve acontecimentos que atingem terceiros. Entao, nao seria esta uma boa oportunidade para Paulo ensinar aos filhos que a nossa felicidade de nada adianta se estamos fazendo mal a uma pessoa que queremos bem ?
Consideremos alguns pontos: 1) não é comum casais divorciados, especialmente após separações traumáticas, unirem-se para viagens em família, o que fez com que Claudia chegasse a desconfiar das intenções de Paulo com sua ex; 2) Paulo poderia ter explicado aos filhos que Claudia ficaria muito sentida com esta viagem e equacionar a situação de outras formas: ele poderia ter patrocinado a viagem para a mãe e os filhos, sem que ele fosse junto ou poderia ter aguardado uma oportunidade onde Claudia, seus filhos e outros amigos também estivessem presentes; 3) Se ainda assim, Paulo mantivesse a viagem, ele poderia ter, pelo menos, separado os quartos em respeito à sua namorada.
Paulo nunca entendeu a insatisfação de Claudia, pois alegava que entre ele e a ex-mulher não há mais nenhuma tensão sexual. Mas não era esta a questão de Claudia. Ela se ressentiu com a falta de cuidado, de carinho e de consideração.
A primeira conclusão que Claudia tirou desta história, e de alguns outros fatos ocorridos durante o namoro, é que Paulo é um homem bastante teimoso e que, certamente, a dor da separação de sua ex-mulher o tornou uma pessoa defendida, que se coloca em primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto lugar.
O que Paulo talvez não tenha atinado é que Claudia é uma outra mulher, com uma forma de ser e de agir completamente diferente de sua ex-esposa, que o ama muito e de quem ele nunca precisará se defender.
Claudia não terminou o namoro com Paulo, mas sabe que o sentimento por ele ficou bastante abalado e que nunca mais esquecerá o que aconteceu. Ela passou um dos piores reveilons de sua vida. Para completar, Paulo não ligou para ela no dia 31 e na manhã seguinte alegou não ter conseguido comunicação com ela.
A grande dúvida de Claudia é saber se Paulo realmente a ama. Para ela, se ele a amasse, teria contornado esta situação de forma que não decepcionasse seus filhos, mas também não a magoasse. Para Claudia, Paulo mostrou que ela não é importante para ele, pelo menos não a ponto de fazê-lo alterar alguma coisa em sua vida para vê-la feliz.
Claudia está tentando perdoá-lo com a razão, pois seu coração está tendo muitas dificuldades de lidar com o fato. Sua dúvida agora é saber se ele agirá assim novamente no futuro.
Ufa ! Difícil tomar partido nesta história. Na minha opinião, Claudia agiu corretamente ao não terminar o namoro e mostrou a Paulo o quanto o ama. Realmente, até que provem o contrário, Paulo não traiu diretamente a namorada. Por outro lado, traição não é apenas dormir com outro parceiro. Mas se Claudia se acha capaz de superar a situação, ponto para ela, que poderá viver uma linda história de amor ao lado de Paulo daqui por diante. Quanto à Paulo, caberá a ele, agora, mostrar à Claudia o quanto ela é importante em sua vida e desfazer este ressentimento da melhor maneira possível.
Algumas mulheres lidariam de forma mais racional com esta situação, mas, certamente, Claudia é mais sensível e, por causa de seu passado, sua história de vida, sente necessidade de se sentir amada e precisa de algumas demonstrações deste afeto. Não há julgamento para isso. A questão é que esta mesma sensibilidade de Claudia é responsável pelo seu jeito amoroso, cuidadoso e carinhoso com Paulo, atitudes que, de acordo com ela, agradam muito a ele.
Eu, particularmente, faço o tipo sensível de Claudia. E vocês, o que pensam a respeito ?